terça-feira, 21 de julho de 2009


ARTE POÉTICA

Olhar o rio feito de tempo e água,

e recordar que o tempo é outro rio,

saber que nos perdemos como o rio

e que passam os rostos como a água.

Descobrir que a vigília é outro sonho

que sonha não sonhar; sentir que a morte

que teme nossa carne é essa morte

de cada noite, que se chama sonho.

No breve dia ou no ano ver um símbolo

dos dias do homem e também seus anos,

e o longo ultraje converter dos anos

num rumor, numa música e num símbolo:

ver o sonho na morte, ver no ocaso

um ouro triste – tal é a poesia,

que é imortal e pobre. A poesia

retorna como a aurora ou como o ocaso.

Às vezes, pelas tardes, uma cara

nos mira desde o fundo de um espelho:

a arte deve ser como esse espelho

que nos revela nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de prodígios,

chorou de amor ao divisar sua Ítaca

humilde e verde. A arte é essa Ítaca,

de verde eternidade, e não prodígios.

Também é como um rio interminável

que passa e fica, e é o cristal de um mesmo

Heráclito inconstante, que é o mesmo

e é outro, como o rio interminável.


Jorge Luis Borges

Um comentário:

  1. Nossa amiga....que imagem linda....eu adoro essa coisa de etnia....ficou maravilhosa.....beijão

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